sábado, 5 de fevereiro de 2011

O amor platônico de Hilda Hilst

(...)

Ama-me. 
É tempo ainda. 
Interroga-me. 
E eu te direi que o nosso tempo é agora. 
Esplêndida avidez, vasta ternura 
Porque é mais vasto o sonho que elabora 
Há tanto tempo sua própria tessitura. 
Ama-me. 
Embora eu te pareça 
Demasiado intensa. 
E de aspereza. 
E transitória se tu me repensas. 

E tu, lúcido, fazedor da palavra, 
Inconsentido, nítido 

Nós dois passamos porque assim é sempre 
É singular e raro este tempo inventivo 
Circundando a palavra. 
Trevo escuro 
Desmemoriado, coincidido e ardente 
No meu tempo de vida tão maduro. 

Sorrio quando penso 
Em que lugar da sala 
Guardarás o meu verso. 
Distanciado dos teus livros políticos? 
Na primeira gaveta 
Mais próxima à janela? 
Tu sorris quando lês 
Ou te cansas de ver 
Tamanha perdição 
Amorável centelha 
No meu rosto maduro? 

E te pareço bela 
Ou apenas te pareço 
Mais poeta talvez 
E menos séria? 
O que pensa o homem 
Do poeta? Que não há verdade 
Na minha embriaguez 
E que me preferes 
Amiga mais pacífica 
E menos ventura? 

Que é de todo impossível 
Guardar na tua sala 
Vestígio passional 
Da minha linguagem? 


Eu te pareço louca? 
Eu te pareço pura? 
Eu te pareço moça? 
Ou é mesmo verdade 
Que nunca me soubeste?

A memória de nós. É mais. É como um sopro 
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso 
É como se a despedida se fizesse o gozo 
De saber 
Que há no teu todo e no meu, um espaço 
Oloroso, onde não vive o adeus. 

[Júbilo,Memória, Noviciado da Paixão - Hilda Hilst] 

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